Pesquisar este blog

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

POSTO E PRESSUPOSTO

Publicado em 6 de Novembro de 2007 na www.curacafm.org.br

“Sou ruim, mas vou até o fim”.
(Chico Buarque)

Às vezes fico imaginando algum animal ou ser com o qual, pela força de expressão, pela comparação popular um ser humano se parece.

Nessa imaginação, lembrando que o espermatozóide se parece com um girino na sua mais elementar forma, comparo-me com um sapo.

Então, nasci sapo. Não tinha olhos tão grandes como os do Lobo Mau, até porque só comecei a enxergar a Chapeuzinho Vermelho lá pelos 12 ou 13 anos, quando ela também já tinha esta idade ou mais. Mas meus olhos já se movimentavam atentos de um lado a outro na tentativa de vencer a miopia da qual todo bom sapo é portador. Nascido na lagoa ia de pedra em pedra, pulando sempre com muito cuidado, com medo de um salto em falso. Na vida é assim: nunca se sabe quando se vai pular numa pedra falsa ou escorregar de uma verdadeira. Logo cedo aprendi a me alimentar de insetos, e quando a lagoa secava tinha sapo que engolia sapo para sobreviver (e como se engole sapo).

Não nasci verde da cor da esperança como são pintados alguns sapos em livros, minha cor sempre foi meio parda, como a maioria. Você acha que a cor influencia ou determina o tipo de um sapo? Como um bom cururu encho o papo de coisas que me são estranhas, apesar das guloseimas da Chapeuzinho Vermelho sempre me darem água na boca, e a própria Chapeuzinho me faz sonhar em ser príncipe e cavalgar num cavalo alado invés de viver pulando. Queria não ser tão liso e frio, queria não ter a língua tão grande – conseqüência da necessidade de captar comida no meio em que vivo. Às vezes sou considerado por outros como bicho peçonhento, mas esquecem que também contribuo com Ecologia, com o equilíbrio da natureza. Eu faço festa na época das chuvas – também sou símbolo de fartura. Não sou o sapo daquela “musiquinha” infantil, pois gosto de lavar o pé, gosto muito de banho – e porque quero.

“Morar na lagoa e perder para sapo” é um ditado, no mínimo, pejorativo; demonstra falta de sensibilidade por parte de quem o utiliza, além de demonstrar um “tcham” de prepotência e superioridade, só que ao pronunciar esse “simples” ditado, quem o faz, está estabelecendo uma escala, também, de inferioridade. Pressupõe-se que quem não mora na lagoa perderia para um sapo se com ele travasse uma competição. Quem é superior a quem e em que? Com você a conclusão.

Leonel Brizola, ao perder o primeiro turno das eleições presidenciais e tendo que apoiar a candidatura do Lula, dizia que teve que engolir um sapo barbudo. E agora, somos também governados por um sapo? Somos a República dos Sapos? Será que os anfíbios são tão desorganizados? Medite um pouco sobre os verdadeiros anfíbios. Podemos atribuir a eles tamanha falta de bom senso?

Se Narciso, ao olhar-se nas águas de um lago, tivesse visto outro tipo de “sapo” talvez não houvesse tanta gente amando apenas a si mesmo. E por falar em Narciso, símbolo de amor a si próprio – amor egoísta – não sou assexuado, tornando-me diferente da maioria. Aí sapeio, sapeio, sapeio, mas na hora certa deixo o sapear para agir. Meu coaxar não é mavioso como dos pássaros canoros, e isso não me incomoda porque as “sapas” não ligam para os pássaros.

A simbologia é um instrumento em que se lança mão. Como as histórias dos sapos que viram príncipes, porque assim o desejo é, em parte, realizado pela fantasia ou pelo sonho. A Psicanálise diz que “o sonho pode deixar-nos tocar a rosa que vemos – e, ainda assim, estaremos sonhando”. Os fatos oníricos estão mais presentes na nossa vida do que imaginamos. A linguagem é o instrumento pelo qual se esclarecem as manifestações oníricas. É como o posto e o pressuposto que aparecem em textos. Ao ter coragem de enfrentar a realidade e beijar o feio, chamado sapo, a bela jovem se encanta com o gosto do beijo, com o encanto até então escondido em um corpo sem os atrativos de um príncipe idealizado, e é pelo prazer que ela descobre seu príncipe encantado, mesmo sem cavalo, sem reino, sem castelo. Transformar-se de sapo em príncipe é um pressuposto; o beijo é o posto, ou seja, o posto é explícito, já o pressuposto é o que está implícito, mas aponta para o posto, embora o evidente nem sempre possa ser evidenciado.

Para sair do estado de sapo temos que usar a compensação – pondo um aspecto positivo que nos caracterize no lugar de uma deficiência que temos de nós mesmos. Como podemos perceber a compensação não é tão compensatória, por isso fazemos chiste de nós mesmos; daí, por falta de uma compensação melhor, “viramos” sapos e sapas na espera de uma bela jovem ou um belo príncipe vir nos tirar desse estado. Porém, enquanto isso não acontece, estejamos atentos, vigilantes na “lagoa”, comendo insetos, mas sonhando com as guloseimas da Chapeuzinho Vermelho e com o beijo que nos resgatará para a nossa verdadeira identidade.

Nenhum comentário: